Quando lemos as aparições do Ressuscitado, notamos latente o medo dos discípulos, principalmente pelo dado que se repete: “Estando fechadas as portas por medo dos judeus…” (Jo 20,19); receio que parece ser vencido quando da manhã de Pentecostes, onde, vigorosamente, Pedro e os outros, saindo do cenáculo, testemunham (inclusive de maneira poliglota) o dado da ressurreição de Jesus, no anúncio do Evangelho (cf. At 2,14-36). Este pensamento parece-nos incutir a ideia de que aqueles homens já estavam prontos para enfrentar tudo e todos pela fé.
Ledo engano. E a Primeira Leitura de hoje nos prova: “Saulo chegou a Jerusalém e procurava juntar-se aos discípulos. Mas todos tinham medo dele, pois não acreditavam que ele fosse discípulo” (At 9,26). Os membros embriões da Igreja titubeiam, vacilam, porque não querem ir além, acreditando que aquele que antes era perseguidor é, agora, aliado. E que aliado! Preferiam ficar no histórico a se abrirem à conversão de Saulo. Creio que essas crises de desconfiança também nos abatem por vezes, esquecendo-nos do que nos exorta o Senhor “Não tenhais medo! Sou Eu” (Mt 14,27.28,10).
Esta injeção de ânimo frente aos nossos medos e vacilos dada pelo próprio Ressuscitado, ao dizer “Sou Eu”, faz-nos recordar da carga do verbo “ser” em algumas línguas. Ser equivale a estar. E, com esta observação, ingressamos na reflexão do Evangelho de hoje: “Permanecei em mim e eu permanecerei em vós […] Aquele que permanecer em mim, e eu nele, esse produz muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. Quem não permanecer em mim, será lançado fora e secará” (Jo 15,4.5-6).
Estar com Jesus é agir com as Suas forças. E a partir da ação de Cristo em nós, percebermos que tudo de bom que temos e somos na verdade não é nosso, mas Daquele que está conosco e nós com Ele; Daquele que vive e age em nosso ser, e nós no Ser Dele. Aqui está a bela conjugação dos verbos ser e estar presentes no Evangelho de hoje pelo verbo ‘permanecer’. Prova-nos isto o recurso empírico o qual Jesus se utilizou: a videira e os ramos: a linfa da videira nutre os ramos se estes estão unidos àquela.
Os frutos de quem permanece, de quem está, daquele que é unido ao Senhor são inúmeros, sempre fundamentados no bem; e, na bondade, tem o seu fim. A estes frutos de união com Cristo, a Videira divina que sustenta a ramificação humanidade, também está a coragem de, por amor e pela fé Naquele que não quer se apartar de nós – o que é impossível por causa de Sua fidelidade – e nem que nos afastemos Dele pelos nossos pecados, seguirmos adiante na frutificação “em”, “por” e “com” Cristo, vide do Pai.
Por causa de sua união com o Cristo, a Igreja frutifica: “A Igreja, porém, vivia em paz em toda Judéia, Galiléia e Samaria. Ela consolidava-se e progredia no temor do Senhor e crescia em número com a ajuda do Espírito Santo” (At 9,31). Os seus frutos são de Cristo porque a missão que possui é continuidade e atualização da missão salvífica da videira divina que vivifica, que derrama o vinho do Seu Sangue sobre nós. Mas ninguém se imagine, batizado, fora da missão de Cristo e do Seu Corpo, a Igreja. Enxertados na Videira de Deus, que é o Senhor, cujo Corpo Místico é a Sua Igreja, somos obrigados a glorificar o Pai pelos frutos de nossas boas obras, pois isto nos disse: “Que deis muito fruto e vos torneis meus discípulos: nisto o meu Pai é glorificado […] porque se não permanecerdes na videira, que Sou Eu, não podereis frutificar, porque sem mim nada podereis fazer e nem sereis verdejantes, dotados de vida”.
Permanecer com Deus, ao lado de frutificar, consiste em guardar os Seus mandamentos (cf. 1Jo 3,24), esta é a lição que também São João nos dá hoje. Que os nossos frutos sejam consoantes à qualidade da seiva divina, os mandamentos, que recebemos por Cristo, a Videira, que nos faz vencer todo o medo, encorajando-nos nas tribulações e desconfianças.
Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru).