Desejamos resgatar e preservar a memória católica em Barra dos coqueiros e, seria impossível tal empresa sem tratar daqueles que, em dizeres do Padre Jeferson Pinheiro – em homilia durante o triduo preparatório para a abertura dos festejos alusivos aos primeiros dez anos de instalação de nossa Paróquia -, carregaram as pedras para que a Igreja fosse construída. Foi neste sentido que começamos a entrevistar a população nativas ou os mais anciãos moradores da Barra. Foi assim que tive a satisfação de conhecer as histórias de de “Seu Baiano” e “Dona Raimundinha”.
O relato que segue parte da década de 60. Mais precisamente, partir de 1968, época em que a nossa primeira capelinha do Bom Jesus da Atalaia Nova já existia. Estes bois biografados serão os primeiros de muitos.
O Senhor João Silva, Seu Baiano, natural da cidade de Tanquinho/Ba (⭐ 11 /10/1918 ☩ 28/03/2002) e a senhora Raimunda Pereira Silva, Dona Raimundinha, natural de Estância/Se (⭐22/12/1925 ☩ 1/06/2014), eram, em dizeres de sua filha, um sonho de um casal, onde a mulher era, desde moçinha, destacada por seu trabalho, perseverança, vaidade e determinação.
Ambos eram funcionários públicos. Ele, Tenente da Polícia Militar de Sergipe e músico; ela, auxiliar na sala de vacinas e datilógrafa na repartição pública conhecida como O Serigy, a Secretaria de Saúde, na Praça General Valadão, centro de Aracaju. Da união deles em 28 de novembro de 1953, nasceu Rainilda, Nidinha (⭐20/10/1954 ☩ 26/01/2015), João Raimundo, Ranúsia e Álvaro Roberto. Trabalhando no Serigy, dona Raimundinha conheceu muitas pessoas que chegavam lá para serem vacinadas contra a Varíola, uma dela foi o Seu Domingos.
A Atalaia Nova chega na vida deles através do Seu Domingos. Como morador da Barra dos Coqueiros ele falava da tranquilidade do município, em especial, da Atalaia Nova. Foi assim que iniciam uma amizade que levaram-lhes a se tornarem compadres. Batizaram Melício, filho de Seu Domingos e D. Zica. Seu Domingos era um homem alto, magro , negro, inspetor de alunos do Colégio Atheneu Sergipense. Autodidata, falava fluente o francês. Muitas vezes ele e Rainilda conversavam muito, pois ela estudava na Aliança Francesa, em Aracaju e mais tarde tornou-se professora de Francês em colégios particulares e no Atheneu Sergipense.
Descobrir a paz, o ar mais puro na Atalaia Nova foi obra de seu Domingos. Ele foi o responsável por levar o casal até lá, mostrando-lhes um povoado novo, com poucas casas de alvenaria e muitas ainda cobertas com palhas entre o oceano e a Boca da Barra. E foi assim, que eles venderam um terreno no Bairro América e em 1968 adquiriram um outro na Atalaia Nova com a aprovação de Deus e ajuda dos pais de Dona Raimundinha.
Lá, construíram a casa, inicialmente de taipa e coberta com palha. Uma casa simples, um terreno ao redor, pés de coqueiros pequenos e; só após muitos anos , reformada com blocos de cimento e coberta por telhas.
Dona Raimundinha herdou da família materna a tradição católica e assim criou todos os filhos que, na Atalaia Nova, participavam dos eventos religiosos: missas, novenas, trezenas; as procissões de São Pedro Pescador e do padroeiro Bom Jesus dos Navegantes. Estas ações eram vividas por eles e pela vizinhança, não só na igreja, como em casa. Dentro do terreno da casa deles havia a Pracinha “João e Maria”, onde foi construída uma Capelinha que recebeu o nome de “Sagrada Família”. Lá eram rezados os terços, as novenas e a Via Sacra. Foram muitos anos de convivência na pequena ilha. A travessia era com as canoas, as Tó-tó-tós. Se o tempo estivesse bom ou ruim, mar calmo ou revolto, esse era único meio de transporte. Confiavam em Deus e na habilidade dos canoeiros da época; dentre eles, os muito experientes, Seu Quelé e Seu João da canoa. Por muitas vezes corajosamente eles enfrentavam o rio, com ondas e vento nos tempos das marés de março.
Os melhores amigos do casal era: Seu Zé Ceará e D. Laurinha, Seu Angelo e a esposa, Seu Zequinha e D. Gol, Seu José Francisco e D. Inês, Netinho e Tide, D. Prazeres e Seu Izaías, D. Eulina e Amadeus, Seu José do Braço e D. Zefa, Daniel e Muda, Seu Melinho, Seu Carlito, D. Gedalva e tantos outros.
Dentre estas festividades que a família participava, uma das mais marcantes, conforme testemunho de Ranúsia, era a Festa do Bom Jesus dos Navegantes. Acontecia no final de janeiro ou início de fevereiro e contava com a participação de muitos moradores e veranistas, nome assim dado aos que vinha à Atalaia Nova na época das férias do final do ano e permaneciam até a festa. Sempre no sábado acontecia o leilão. Era muito concorrido com várias prendas doadas pelos moradores e veranistas. Era um evento esperando após a missa. Colocavam-se os bancos da igreja na parte externa e todos aguardavam a oferta da prenda e os lances que eram gritados pelo leiloeiro. Por muitos anos o Leilão da festa do Bom Jesus teve à frente as irmãs de Ranúsia. Rainilda, na organização e, Nidinha, como leiloeira. Com tom de voz forte, ela sabia como apresentar a prenda, elevar o valor e fazer chegar a uma bom preço para ser arrematada. Era uma alegria só, a sua intimidade com o “fazer” do leilão nas festas do padroeiro.
Em 1996, Dona Raimundinha descobre a Atalainha, uma região situada no início da Atalaia Nova, em frente ao Rio Sergipe. Lá havia uma comunidade muito necessitada com muitas crianças e pescadores. Com o passar dos anos, ela comprou um terreno e lá construiu uma pequena casa. Desenvolvia atividades com as crianças e era nesta casa que sua família, a cada entrada do Ano Novo, esperava a procissão fluvial do Bom Jesus dos Navegantes passar. Traziam o andor do Bom Jesus dos Navegantes numa pequena procissão e, todos, aguardavam todos lá, na beira da praia, a passagem do rebocador com a imagem do Bom Jesus dos Navegantes, a bordo. Era emocionante ouvir o apito do rebocador por várias vezes. Dentro do rebocador as pessoas acenavam e os que aguardavam, em terra, balançavam as bandeirinhas de papel e soltavam fogos. Era ali, que a maioria dos moradores e amigos reunidos desejavam uns aos outros um “Feliz Ano Novo”. No ano de 2023 esta tradição foi retomada e, as emoções foram revividas.
Na Atalainha, Dona Raimundinha chegou até a ser homenageada pelo Vereador Manoel, o Maneca, com o nome dela em uma das ruas: Rua Raimunda Pereira. Lá, ela viveu outros bons momentos. Com o avanço do mar, casas foram vendidas, outras destruídas e a comunidade deslocada para um conjunto habitacional de apartamentos na Barra dos Coqueiros. Hoje, o que restou foi apenas uma pequena parte de um “molhe “ de cimento e pedras. O pequeno molhe construído com os esforços do casal, em frente à casa ainda resiste.
Após a morte de Seu Baiano, em 2002, sua esposa ainda ficou na Atalaia Nova até 2005. De 2006 a 2014 ela foi morar em Aracaju com sua filha Rainilda. Em 2014, a matriarca foi para a morada eterna aos 84 anos e Rainilda, em 2015, aos 60 anos.
Pe. Claudio Dionizio, pároco da paróquia Bom Jesus dos Navegantes (Atalaia Nova)
Prof. Ranúsia Pereira Silva