A Irmã Morte é sempre uma misteriosa companhia da nossa vida.
E, hora ou outra, ela chega — chega na hora em que não queríamos ou que fosse melhor parar a história para ela passar sem tocar em nós. E sempre assim.
Ontem, pelas 18h, hora da Ave-Maria, em que aprendemos a escutar nas rádios desde cedo e nos formou, e sempre nos toca quando, no carro ou em casa, se ouve a hora santa, seja no sertão ou na Capital. Foi nessa hora bendita que a Bendita Páscoa, pela intercessão da Imaculada Conceição, encontrou o querido e quase secular Monsenhor José Carvalho de Souza, fundador e diretor do Colégio Arquidiocesano Sagrado Coração de Jesus por mais de 50 anos.
Um sacerdote à frente do seu tempo, culto e firme, nasceu no início de um século bombardeado por duas guerras mundiais e insistiu no Coração de Jesus que educa, forma e faz ramos de vida e dons de amor. A história de Aracaju se confunde com a história do Padre Carvalho e seus préstimos. Devotou sua vida pela educação de uma geração na sociedade sergipana, na formação intelectual, humana e espiritual de tantos que hoje servem à sociedade aracajua-na e além-fronteiras. Ajudou na formação dos padres que chegavam do interior, com sonhos joviais de jogar a semente do Evangelho na capital ainda quase que em formação: Aracaju.
Foi através do Arquidiocesano que a história da Arquidiocese de Aracaju se lançou. Afinal, para uma nova diocese devia haver um seminário para formação dos futuros pastores do povo cristão. Nas dependências do Arquidiocesano começou nosso ido Seminário Menor SCJ, depois se tornando Seminário Propedêutico, onde tantos de nós somos frutos. Monsenhor Carvalho ajudou a fazer de Sergipe um time de campeões no esporte, afinal, o Arqui sempre foi campeão nas competições em que nossos jovens entravam.
Foi através do coração generoso do Monsenhor que jovens carentes estudaram no Arqui e se tornaram pessoas de bem e ótimos profissionais, como uma professora de Educação Física, na sua missa exequial hoje pela manha, testemunhava.
Quantos encontros feitos na quadra do Arqui, quantas viagens que nós, seminaristas de então, fazíamos no ônibus do colégio que o Monsenhor cedia ao Seminário para ir a um evento, a uma peregrinação etc. Quanta conquista e quanta saudade.
Saudade de um tempo em que sintoniza-vamos a Rádio Cultura e ouvíamos suas missas e suas catequeses num timbre de voz agudo e irretocável. Tinha foco e firmeza no que dizia. Geralmente, os homens e mulheres que sonham alto morrem silenciosamente, sem nenhum alarde. Apenas com um histórico de devotamento e doação a uma causa que perpassou a sua vida: Cristo Jesus. Só a graça de Cristo e seu amor faz um jovem ir tão longe como foi Monsenhor.
Ainda jovem, perdeu sua mãe; criado por sua avó, que, nesse 27 de maio, o seu corpo vai jazir onde os restos mortais da sua genitora segundo o coração repousam. Podia dizer mais, vou parando por aqui. Estive em alguns momentos com ele e via seus passos já cansados, com sua bengala, sua veste branca e sua gravata. Marcam a história de Sergipe. Ou ainda com sua casula tipo “morcegão” própria dos padres que sabem o que já é a vida e não param no estético ou no externo. Sacerdócio é coisa da alma, é mistério, é dom. É serviço!
Certamente muitos dirão e devem dizer algo sobre Monsenhor Carvalho, homem que foi caridoso.
A mão direita não viu o que a mão esquerda doou através das mãos ungidas de Monsenhor Carvalho.
Neste tempo sombrio de crise de valores, de ausência de líderes com coração devotado ao bem comum, e ainda de uma geração voltada para tanta violência e vazio existencial, fica o legado honrado do jovem ousado, bonito, sonhador e visionário: Monsenhor José Carvalho. Hoje, um dos seus formandos, seminarista por 10 anos e que depois seguiu o curso de medicina, terminou sua homenagem com um dito latino que o padre Carvalho costumava repetir: “não à escola, e sim ao mundo” — era mais ou menos assim.
Hoje, nos despedimos do corpo físico do querido Monsenhor, mas fica a certeza de que aqueles que morrem em Cristo, com Ele ressuscitam.
Que Sergipe nunca esqueça que, em Aracaju, a Igreja gerou um homem que foi além. E é disso que precisamos: homens sonhadores, como Carvalho e Francisco – o papa do Cântico das Criaturas —, que passaram por esta terra fazendo a diferença. Pelo pouco ou pela abundância.
A morte é o começo, não é o fim: obrigado Monsenhor. Obrigado!
Pe. Anderson Gomes