Na relativização do mundo, tal como, infelizmente, presenciamos, a voz da Igreja, pregoeira da Palavra de Deus, se faz mais uma dentre tantas outras, e, ouso dizer mais: é voz temida, não bem-vinda, porque é incômoda, e, por isso, é marginalizada. Se o mundo quisesse viver a proposta de Deus, publicada pela Santa Igreja… Com certeza, não veríamos tantas atrocidades. Se os corações encarnassem a Palavra de Deus, os Seus mandamentos, não presenciaríamos tanta estupidez, tanta estultícia apresentada como modo de viver, quem sabe como norte, como ideologia.
Percebam que, na Primeira Leitura, Moisés, em nome de Deus, motiva à vivência dos divinos preceitos porque neles estão a sabedoria e a inteligência não humanas – e, portanto, limitadas – mas aquela “que vem do Alto, pura, pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade e sem fingimento” (Tg 3,17), como a caracteriza São Tiago em sua Carta.
Nos mandamentos de Deus estão a vida, porque cumpri-los no espírito de amor e humildade nos trazem a salvação, ou seja, aquela vida divina a ser vivida em nossa história pessoal como uma proposta da parte do próprio Deus, que nos ama. Se os cumprirmos como mera obrigação, sem um empenho disponível de vida e amor, comprometeremos a liberdade com a qual fomos criados, salvos e dispostos no mundo, porque o Senhor nos colocou no mundo salvos na liberdade com a qual o Seu Sangue vertido na Cruz nos garantiu (cf. Gl 5,1). Caso contrário, humanizaremos (com toda a carga do termo “humanizar”) aquilo que é divino, porque brota do coração do próprio Deus para conforto da nossa alma (cf. Sl 19,13). Por este motivo, Jesus, no Evangelho, censurar os fariseus e os mestres da lei e nos advertir: “Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens” (Mc 7,8). Quantas vezes se impõe jugo sobre os outros se valendo da deturpação da Palavra de Deus, de Sua divina vontade, da excelência de Seus mandamentos dados para nós, para a nossa vida, liberdade e, por isso, salvação? Ou pior: quantas vezes nos flagramos em atitudes que contradizem os mandamentos do Senhor, sabidos de cor? Quando isto acontece recai sobre nós uma espécie de “esquizofrenia espiritual”, onde nos mascaramos com a indumentária de religiosos, mas, interiormente, isso é apenas uma carapaça.
Para o cumprimento dos mandamentos faz-se necessário ter como meio a caridade. E, tendo-a em tal conta, a teremos como fim, porque esta é Deus, que “é amor” (cf. 1Jo 4,16). E, seguindo o que nos disse São Tiago na Segunda Leitura, tal como dom, os preceitos do Senhor “descem do Pai das luzes, no qual não há mudança nem sombra de variação” (Tg 1,17). Mas para que esta dádiva vem à nós? O Apóstolo nos responderá: para que, pela Palavra a nós concedida, sejamos salvos. Praticando-a com verdade e humildade, praticaremos o cerne da verdadeira religião, que é o amor a Deus e ao próximo, sintetizados no dizer de São Tiago: “assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo” (Tg 1,27), este mesmo mundo adverso a Deus, que deseja destruir a integridade da fé aplicada à moral com meias verdades e com “suavizações”, “amenizações”, “concessões”, ao propor que façamos pouco da radicalidade, sem titubear, proposta pelo Senhor no Sermão das Bem-Aventuranças: “Seja o vosso sim, sim; e o vosso não, não. O que passa disto é do maligno” (Mt 5,37).
Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru).