A nossa vida é marcada pelas escolhas. Por meio das nossas opções, construímos a nossa história. Para nós, crentes em Deus, todas as vezes em que escolhemos mal, caímos no pecado. É quando apostamos no espectro da nossa autossuficiência e potência que caímos na presunção de construirmos nossos ídolos. Às vezes, esses ‘deuses’ que idolatramos estão fora de nós e se caracterizam pelo ter e pelo poder. Porém, em tantos outros momentos, esses divos são o nosso ser: idolatramos-nos. E, lógico, todas as vezes em que temos a pretensão de sermos absolutos, esquecemo-nos de Deus, abandonando-O. A Liturgia da Palavra de hoje, em especial a Primeira Leitura e o Evangelho, põe-nos em xeque e questiona-nos: A quem seguimos? Qual o papel que Deus ocupa em nossa vida?
No Evangelho, logo após o discurso do Senhor acerca do Pão da Vida, temos as reações dos discípulos diante da afirmação do Senhor, da sua autorrevelação, quando disse: “Eu Sou o Pão Vivo que desceu do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão, que eu hei de dar, é a minha carne para a salvação do mundo” (Jo 6,51). Sim, reações porque são duas: a dos discípulos que abandonaram o seguimento do Senhor, escandalizados: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” (Jo 6,60); e a dos discípulos que permaneceram com o Senhor, de cujas palavras São Pedro as verbaliza: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6,68-69).
Mas, por que destas duas reações? O próprio Senhor vai dizer o porquê: “Ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai” (Jo 6,65). Ora, o Pai quer a todos, por isso atrai indistintamente a todos. O que nos cabe é deixar o coração aberto às moções de fé do Espírito Santo, que vivifica o nosso espírito e vida, e, desta forma, fielmente, abrir-nos à ação de Deus, que, por sua vez, não é invasivo, mas respeita a decisão de cada um. O ‘amém’ dado com o nosso espírito (ainda que seja tíbio) vale muito mais do que belíssimas prédicas pronunciadas por uma boca mentirosa. À medida em que cremos no Cristo sofredor, vivo e glorioso, proclamando-O Senhor de tudo, inclusive de nossa existência, e, assim, seguirmo-Lo, com certeza estamos assumindo a mesma postura de comprometimento de fé e vida que São Pedro deu em nome dos que ficaram: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6,68-69).
Na Primeira Leitura, contemplamos Josué e todo o povo hebreu, recém-adventícios à Terra Prometida por Deus a eles. Ali, livremente, Josué e o povo são incitados a uma escolha: a quem deveriam seguir: aos deuses mesopotâmicos, às divindades amorreias ou ao Senhor. Esta preferência marcará toda a sua vida e futuro. Por isso, Josué, ao invitar o povo a uma resposta de fé, já deixa óbvio qual a sua decisão: “Quanto a mim e a minha família, nós serviremos ao Senhor” (Js 24,15). No entanto, o povo hebreu não se decide por um desconhecido, mas por Alguém que está próximo dele. É por isso que Josué relembra ao povo tudo quanto Deus havia feito em toda a sua história, desde Abraão até aquele momento capital. O povo, de olho nas maravilhas do Seu poder manifestado entre eles, valoriza mais o fazer do que o Ser de Deus. No entanto, mesmo assim eles dizem: “Longe de nós abandonarmos o Senhor para servir a deuses estranhos. Porque o Senhor, nosso Deus, ele mesmo é quem nos tirou, a nós e a nossos pais, da terra do Egito, da casa da escravidão. Foi ele quem realizou esses grandes prodígios diante de nossos olhos e nos guardou por todos os caminhos por onde peregrinamos e no meio de todos os povos pelos quais passamos” (Js 24,17). Ainda que, em um futuro não muito distante daquele momento, o povo eleito de Deus, da primitiva aliança, não leve a cabo aquilo que dissera neste trecho apresentado, e cai na infidelidade para com o Deus Único. Tal como a nossa inconstância humana costuma fazer-nos.
Também é interessante a forma pela qual o povo hebreu reconhece o Senhor como seu Deus e deseja servi-Lo: “Portanto, nós também serviremos ao Senhor, porque ele é nosso Deus” (Js 24,17-18). Enquanto Josué serve ao Senhor Deus de coração livre, o povo segui-lo-á por conta do que Ele operou em seu meio. Se Israel continuasse no seguimento, ainda que fosse com esta motivação das maravilhas operadas, seria um seguimento válido e, portanto, um caminho de realização, de felicidade.
“Servi o Senhor com alegria (Sl 99,2)”, eis o que nos propõe os Salmos. Serviço a Deus é seguimento e vice-versa. Neste intuito, trilhemos a nossa vida. Somente no serviço e no seguimento haveremos de provar e ver a suavidade do Senhor, tal como nos propõe o Salmo Responsorial da Liturgia deste domingo em seu refrão: “Provai e vede quão suave é o Senhor!” (Sl 33,9a).
Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru).