No Evangelho de hoje, vemos o Senhor que, saindo de Nazaré, Sua cidade, inicia a atividade apostólica dos discípulos. Vale, então, ressaltarmos alguns pontos do que escutamos.
O primeiro deles, o Senhor envia os discípulos “dando-lhes poder sobre os espíritos impuros” (Mc 6,7). Percebam que aos discípulos não é dado um poder alheio ao do Cristo. Neste sentido, temos o comentário de São Beda: “Benigno e clemente, nosso Senhor e Mestre não dá com escassez do seu poder a seus servos e discípulos, posto que assim como Ele curava todo desfalecimento e toda enfermidade, deu também a seus apóstolos poder para curá-los. […] Entretanto, existe uma grande distância entre dar e receber. O Senhor opera com seu próprio poder em tudo o que faz, ao que os seus discípulos, se fazem algo, é confessando a sua debilidade e o poder do Senhor” (In Marcum, 2,24).
Percebam ainda como é concluída a passagem do Evangelho de hoje: “Então os doze partiram e pregaram que todos se convertessem. Expulsavam muitos demônios e curavam numerosos doentes, ungindo-os com óleo” (Mc 6,12-13). Os Doze, enviados, eram ‘vigários’ do Cristo, faziam-Lhe as vezes, continuavam a Sua missão divina. E, quando tratamos do Colégio dos Doze [Apóstolos], estamos tratando da própria Igreja Católica, que, no desenrolar da história humana, somente ela, age no nome e no poder de Cristo, fazendo-Lhe as vezes, continuando a Sua missão redentora. Daí, o Concílio Vaticano II, no Decreto Ad Gentes, afirmar: “A missão da Igreja realiza-se pois, mediante a atividade pela qual, obedecendo ao mandamento de Cristo e movida pela graça e pela caridade do Espírito Santo, ela se torna atual e plenamente presente a todos os homens ou povos para os conduzir à fé, liberdade e paz de Cristo, não só pelo exemplo de vida e pela pregação mas também pelos sacramentos e pelos restantes meios da graça, de tal forma que lhes fique bem aberto caminho livre e seguro para participarem plenamente no mistério de Cristo” (GS 5).
É interessante que, tratando da missão dos Doze, e, portanto, da Santa Igreja Católica, temos como amparo o belo hino de São Paulo, presente na Carta aos Efésios (cf. 1,3-14), como o lemos na Segunda Leitura: em Cristo, pelo mistério de Sua Igreja, que anuncia a Palavra, conduz à fé e nos marca com o selo do Espírito Santo, fomos eleitos antes da fundação do universo para a santidade; feitos filhos adotivos de Deus, livres; a nós, foi dada a graça do conhecimento de Deus, de sermos-Lhe íntimos, a fim de que tudo, levado à perfeição, fosse configurado a Cristo, quando da plenitude dos tempos, na eternidade.
Outro dado que nos salta aos olhos está na forma a qual o Senhor envia os Apóstolos. Envia-os em dupla. Aqui, São Gregório Magno dirá: “Manda de dois em dois a seus discípulos à pregação, porque são dois os preceitos da caridade, o amor de Deus e do próximo. […] Deste modo, nos insinua que o que não tem caridade para com os demais, não deve de nenhum modo tomar para si o oficio da pregação” (Homilia in Evangelia, 17). O Senhor ordena que os Seus levem apenas o necessário, um cajado, uma veste e um par de sandálias; nada mais que isso. Mas, também esses apetrechos têm um significado. O cajado ou báculo, além do simbolismo do pastoreio, possui como figura o poder do Senhor, sobre o qual os discípulos operariam e se sustentariam. O poder do Senhor, além da força de operação para a vida pessoal do discípulo diante de seus cansaços e quedas, também é arma que afugenta quando dos assaltos e perigos dos inimigos, além de ser meio de resgate das ovelhas em situações de risco. Já em relação às sandálias, Santo Agostinho afirmará: “Tendo em conta que, não deixando cobertos os pés por cima nem desprovidos por baixo [diferente de sapatos que cobrem todo o pé] dá a entender que não devem ocultar o Evangelho [simbolizado pelos pés (cf. Is 52,7)] e nem se apoiar nas comodidades terrenas” (De consensu evangelistarum, 2,30). Mas, e a túnica? É símbolo da graça de Deus, que não tem dupla nascente senão o coração do próprio Senhor, que os envia e lhes fortifica, que os reveste.
Somos os discípulos-missionários da hora atual. E tudo o que Jesus ordena aos seus no Evangelho de hoje, servirá também nós. Assim, como os Apóstolos não tinham em si mesmos os meios necessários para o anúncio, para a missão e para o testemunho do Evangelho, nós também não os temos. Tudo é obra gratuita de Deus, que capacita os que Ele, no Seu desígnio misterioso de amor, chama e envia. Por isso, ser apresentada na Primeira Leitura a consciência do Profeta Amós de sua missão: “Não sou profeta nem sou filho de profeta; sou pastor de gado e cultivo sicômoros. O Senhor chamou-me, quando eu tangia o rebanho, e o Senhor me disse: ‘Vai profetizar para Israel, meu povo’” (Am 7,14-15). Então, repito, diante dos nossos medos e apreensões: tudo é obra de Deus. E, postos no mundo para um apostolado no que, cotidianamente, fazemos, deveremos nos deixar conduzir, porque confiamos na nossa vocação e envio, pela graça do Senhor, que quer precisar de nossa ação no mundo, da ação de Sua Igreja, a quem pertencemos, e cujas ações são nossas, e as nossas também dela.
Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru).