É preciso desconectar!

Sejamos intelectualmente honestos e reflitamos, com amor, respeito e responsabilidade, sobre um tipo de catolicismo atual. Não é tempo de confrontos nem de discursos polarizados. Sejamos responsáveis espiritualmente e tenhamos consciência do que estamos fazendo conosco, com a vida do outro e com o Mistério que é a Igreja de Cristo.

A pior heresia do primeiro quarto do século XXI é a pregação de um Deus comercial, sem alma e extremamente perverso. A base da manipulação espiritual reside na disfunção cognitiva e na falta de maturidade humana. Precisamos repensar seriamente os espaços de formação das nossas comunidades. Estamos gerando, por antonomásia, pseudo-cristãos, frutos delicados da sociedade pós-verdade, pós-cristianismo e pós-humanismo integral.

As raízes dos pensamentos neoliberais provocam, em nós, uma convulsão social, na qual nos tornamos máquinas que precisam produzir sem a capacidade de inatividade (da vida contemplativa, Han). Assim, geramos pessoas adoecidas, sem rumo e sem chão.

Recentemente, durante minhas sessões de análise, ouvia meu psicanalista a distinção entre transtorno mental e doença mental. Atenção: são “raras” as pessoas consideradas doentes mentais (embora existam muitas). Grosso modo, a doença mental está ligada a questões biológicas, que nem sempre advêm de nossa genealogia, representando predisposições por inúmeros motivos, alguns misteriosos. Já o transtorno mental está ligado às questões sociais, isto é, à forma como a pessoa lida com o meio em que está inserida.

Recentemente, foi divulgado um estudo no G1 que apontou que mais de 500 mil pessoas no Brasil foram afastadas pelo INSS por questões de saúde mental ou transtornos psíquicos. Nossa tentação é julgar o indivíduo isoladamente; entretanto, esse raciocínio é incorreto e desonesto. Precisamos, com respeito e firmeza, denunciar as estruturas desumanas que se enraízam na sociedade atual, por meio de estudo, reflexão e seriedade.

No que diz respeito aos ministros ordenados, parece que estamos sendo os heróis da vez. Faz parte pensar assim, e muitos de fato o são, pois suportam condições e espaços de missão complexos. Que Deus possa ajudar a todos nós, por meio da humanização e do respeito às nossas vidas, e que pessoas se empenhem em nos auxiliar em um caminho de lucidez e integração.

Aqui, precisamos contribuir para que as pessoas em estágio de desumanização compreendam o delírio de onipotência que as conduz a uma estrada sem volta. Falta aprofundamento em temas sérios, como as diversas neuroses e psicopatias induzidas pelos meios digitais, que hoje nos conduzem a um lugar de possível gozo e prazer. O desejo de ser visto é inerente à pessoa humana. A complexidade desse caminho ocorre quando deixamos de nos ver, de nos contemplar e de reconhecer nossos limites e nossa verdadeira identidade. Nesse caso, estamos no começo do fim e na beira do abismo, quando nossa criança narcísica não se integra: ela mata ou morre.

Vale recordar a Palavra de Deus:

“…ponho diante de ti a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe, pois, a vida, para que vivas com a tua posteridade…” (Dt 30,19).

Escrevo para servir àqueles que desejam meditar sobre a vida, pois creio no Deus Amor e procuro ajudar quem deseja viver e que, talvez, tenha perdido o brilho da Luz. Como bradou o poeta: “Tá escuro, mas eu canto”.

Feliz domingo 2º quaresmal!

Pe. Anderson Gomes, pároco da Paróquia São Pedro Pescador (Bairro Industrial, Aracaju) e representante do Clero.

Foto da capa (MASSC): cruz do Séc. XX, que pertenceu ao Dom Luciano. Nela contém um conjunto de ilustrações que referencia arquitetura do vaticano e a simbologia católica.