No ano 380, o imperador Teodósio promulga o edito de Tessalônica no qual reconhece o cristianismo como religião oficial do Império Romano. A esse edito seguem-se outros, sempre reforçando o primeiro, condenando o paganismo e as heresias, além de punir até com a perda dos direitos civis aos que não professassem o cristianismo. Intromissão do Estado na vida religiosa.
Compreensível, sob o ponto de vista da Igreja, à época. Os cristãos são perseguidos desde o início, massacrados, atirados às feras no Coliseu etc. Provavelmente, os líderes da Igreja viam com bons olhos aquele edito. Enfim, estão livres das perseguições. Todavia, há um grande mal: o atrelamento da Igreja ao Estado, que perdura por longo tempo.
Papas fazem reis e imperadores, mas reis e imperadores também fazem Papas. Séculos cruciais. Chega-se a ter dois ou três “Papas”, em dados momentos. Duas cortes papais, ao menos, existem por algum tempo: Roma e Avinhão, em França.
Instala-se a Lei do Padroado, com início na Idade Média, quando as autoridades religiosas não têm como cuidar da evangelização de certas regiões devido à distância e falta de recursos materiais. A concessão do Padroado surge no século X.
Sob esse sistema, os reis de Espanha e Portugal muito se destacam na propagação da fé em novos territórios. Uma das grandes contribuições desses reinos para a Igreja é a Reconquista da Península Ibérica, retomada aos mouros. Há um compromisso entre o Estado e a Santa Sé de propagar a fé cristã e consolidar a Igreja.
Damos um salto, para chegar ao Brasil. Na era colonial, a Igreja sofre uma verdadeira asfixia da parte do poder público. A situação se agrava depois de 1832, já no Império, quando é criada a Mesa de Consciência e Ordens. A intromissão do Estado nessa Mesa torna-se tão grande, que passa a engessar a ação da Igreja.
Não é possível aos bispos e padres levantarem a voz em protesto contra os abusos do Padroado, pois a resposta do monarca, em geral, é suspender a temporalidade do padre, do bispo, ou da paróquia. Temporalidade é o nome dado aos rendimentos que recebiam. Com a proclamação da República, cai o Padroado, a Igreja separa-se do Estado.
Em 1932, no Rio de Janeiro, é criada a Liga Eleitoral Católica – LEC, pelo cardeal Dom Sebastião Leme da Silveira. O objetivo é mobilizar o eleitorado católico para que apoie os candidatos comprometidos com a Doutrina Social da Igreja, nas eleições de 1933 para a Assembleia Nacional Constituinte, que promulgaria a Constituição de 1934, e para as eleições de 1934 para as assembleias constituintes estaduais, que promulgariam as Constituições estaduais de 1935. Em Sergipe, para a constituinte estadual de 1935, a Igreja consegue eleger o Cônego Miguel Monteiro Barbosa, já ativo na vida política, sendo, inclusive, prefeito em Nossa Senhora das Dores.
Entre nós, a LEC tem, como diretor espiritual, o padre Avelar Brandão Vilela, que seria arcebispo primaz do Brasil, em Salvador. Sob o Estado Novo de Getúlio Vargas, todos os partidos políticos são extintos. A LEC passa à inatividade, tendo seu funcionamento impedido. Com a redemocratização de 1945, a LEC volta a atuar nas eleições presidenciais daquele ano, nas eleições para a Assembleia Constituinte de 1946 e nas eleições presidenciais seguintes. Para a Constituinte estadual de 1947, os católicos sergipanos elegem o Cônego Edgar Brito.
Em 1962, em meio a certo rebuliço, a LEC passa a denominar-se Aliança Eleitoral pela Família (ALEF). Começa sua decadência, que se acentua após o golpe militar de 1964. Extingue-se. Assim, a Igreja distancia-se da vida política, embora alguns prelados, aqui ou ali, conseguem eleger-se para os mais diversos cargos, inclusive em Sergipe, a exemplo do padre Geraldo, em Japaratuba, do frei Enoque, em Poço Redondo (ambos da Diocese de Propriá), do padre Raimundo, em Cristinápolis (Diocese de Estância), do padre Arnóbio, em Aracaju, e do padre Inaldo, em Socorro, este deixando, mais tarde, o sacerdócio (ambos na Arquidiocese de Aracaju), sem esquecer a atuação política do padre Almeida, na região centro-sul do Estado, por algumas décadas.
Afastando-se das lides político-eleitorais, dizem alguns estudiosos, a Igreja abriu a possibilidade para que denominações protestantes, notadamente algumas pentecostais e neopentecostais, passassem a ter acentuada militância política.
A Igreja vem tendo o cuidado de separar a atividade religiosa da atividade política, enquanto instituição. Nesse sentido, por louvável iniciativa do Arcebispo de Aracaju, Dom Josafá Menezes da Silva, associando-se aos Bispos de Estância, Dom José Genivaldo Garcia, e de Propriá, Dom Vítor Agnaldo de Menezes, vem a público uma Mensagem da Província Eclesiástica de Aracaju sobre as eleições municipais deste ano.
Na abertura da Mensagem está dito: “A Igreja não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política, nem deve pôr-se no lugar do Estado. Mas também não pode e não deve ficar à margem da luta política”. E afirma: “Como cidadão, o fiel católico deve ser o primeiro interessado na promoção do bem de sua cidade, habilitando-se como candidato no pleito eleitoral e votando de maneira consciente e responsável, escolhendo entre os candidatos os mais idôneos e competentes”.
Ademais, a Mensagem prudentíssima dos nossos Bispos adverte que a “Igreja não tem candidato nem partido próprio, uma vez que a manipulação política da religião não é benéfica para o convívio democrático”. Diz ainda que: “Padres e Bispos são também cidadãos civis e têm direito e dever de escolher e votar de forma consciente nas pessoas que julgam aptas a exercerem funções de poder civil”. Afiança, outrossim, que não se deve “transformar os ambientes eclesiais em palanques eleitorais, desviando os nossos templos e demais espaços comunitários espalhados pelo território dos municípios”, para satisfazer candidatos, partidos ou ideologias. Disseram bem, os senhores Bispos.
Pe. José Lima Santana, pároco da paróquia Santa Dulce dos Pobres (Aruana).