Neste XVII Domingo do Tempo Comum, cantávamos no Salmo Responsorial: “Todos os olhos, ó Senhor, em vós esperam, e vós lhes dais no tempo certo o alimento; vós abris a vossa mão prodigamente e saciais todo ser vivo com fartura” (Sl 144,15-16). Esta foi a dinâmica do Senhor no admirável Evangelho de hoje (cf. Jo 6, 1-15).
Percebemos que o Senhor era seguido por uma numerosa multidão, e pontua São João: “porque via os sinais que ele operava a favor dos doentes” (Jo 6,2). Logo, todos esperavam no Senhor, por Suas atitudes, por Suas palavras. Há quanto tempo aquela gente O seguia? Por que o Senhor esperou as proximidades da Páscoa para prodigalizar a multiplicação dos pães? E uma terceira questão: por que temos notícias, pelos Evangelhos, de que tal prodígio somente se deu nalgumas vezes (sendo mais pontual, em duas)? De antemão, já afirmo: toda esta passagem, os gestos de Jesus inclusive, são pedagógicos, oferecendo lições validamente profundas para a nossa vivência cristã.
O Senhor multiplicou os cinco pães e os dois peixes, primeiramente, porque é Deus. E, por este dado, não pensemos que haja uma alusão somente ao Seu poder; antes, Jesus realiza tal milagre por compaixão da multidão que O seguia. A compaixão é filha da caridade. Porque Deus nos ama, Se compadece de nós. Este dado da compaixão de Jesus foi exprimido pela narrativa de São Marcos no domingo passado, antecipando, imediatamente, a primeira multiplicação dos pães (cf. Mc 6,34). Observemos que aquela multidão nada pedia a Jesus. Este mesmo episódio apresentado por São Lucas é característico porque o Evangelista acena que aquelas pessoas eram, simplesmente, tocadas pela fé (cf. Lc 9,11). Eis aqui o embasamento das lições da multiplicação dos pães e dos peixes: o amor gratuito de Deus.
O Senhor realizou este sinal nas proximidades da Páscoa. São João ainda vai nos esclarecer: “[…] a festa dos judeus” (Jo 6,4). Sabemos que foi no contexto da páscoa judaica que Cristo Se entregou no Altar da Cruz, como verdadeira Vítima Pascal, para, libertados da escravidão do pecado, fôssemos dignificados a Seus comensais no banquete do festim eterno. A multiplicação dos pães e dos peixes é preâmbulo para uma densa e impecável catequese eucarística (tal como teremos na Liturgia da Palavra dos próximos domingos). O Senhor não quer somente alimentar o corpo. Antes e sobretudo, deseja alimentar o espírito humano, porque, como escutaremos na semana que vem, preceitua Jesus: “Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna” (Jo 6,27). Destarte, vislumbramos que a Eucaristia é fruto da compaixão eterna de Deus, que, prodigamente, farta-nos com a Sua vida divina, com a Sua glória. A Eucaristia é prova do amor de Deus, que Se imola, única, repetida e misteriosamente, em nosso meio, antecipando-nos a eternidade.
Mas, por que o Senhor realizou o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes somente duas vezes? Na realidade, teologicamente, o Senhor, movido por Seu amor, sempre realiza tão grande mistério: eminentemente, pela Eucaristia, como já aludimos; mas, também, o realiza por Sua providência que, dentre as formas em que acontece, passa pela atitude de partilha dos cristãos. Sim, a caritativa exercida por nós é fruto da Eucaristia, ao tempo em que somos canais da ação providente de Deus na vida de tantos e tantos. Se narrada pelos evangelhos, somente duas são as vezes em que o Senhor alimenta a multidão, na história da Igreja e do mundo, entretanto, Deus nunca deixa de fazê-lo em favor dos pobres de espírito e daqueles empobrecidos na miséria social.
Ainda que, em Betânia, na casa de Simão, o leproso, Jesus tenha dito em resposta a Judas Iscariotes e a sua dissimulada preocupação para com os pobres: “Pobres vós tereis sempre convosco. A mim, porém, nem sempre me tereis” (Mt 26,11; cf. Jo 12,1-8), igualmente completou esta Sua afirmação em relação ao cuidado para com eles: “[…] quando quiserdes, podeis fazer-lhes bem” (Mc 14,7). Neste sentido, pelas lições do amor de Deus explicitadas pelas páginas do Evangelho, principalmente por esta da multiplicação dos pães e dos peixes, a Igreja ensina a seus filhos a atitude de socorrer o próximo nas suas várias necessidades, inspirando-nos à prática das obras de misericórdia corporais e espirituais. “Dentre os gestos de misericórdia, a esmola dada aos pobres é um dos principais testemunhos da caridade fraterna: é também uma prática de justiça que agrada a Deus”, como nos afirma o Catecismo da Igreja Católica (n. 2447). E, a partir da esmola, como gestos de caridade, entendamos a atenção à dimensão social e política do problema da pobreza. Pois como, já na antiguidade da Igreja, se expressava o Papa São Gregório Magno: “Quando damos aos pobres as coisas indispensáveis, não praticamos com eles grande generosidade pessoal, mas lhes devolvemos o que é deles. Mais que cumprir uma obra de misericórdia, saldamos um débito de justiça” (Regula pastoralis, 3,21). Quando socorremos o pobre nas suas necessidades mais prementes e lutamos em seu favor, devolvemos, na realidade, a Deus os dons que Ele mesmo nos concedeu; Ele, que Se esconde nos mais necessitados (cf. Mt 25,40).
Na narrativa da multiplicação dos pães e dos peixes feita por São João, observamos que André apresentou a Jesus um menino, que portava aqueles mantimentos (cf. Jo 6,9). Interessante notarmos a sua gratuidade em dar do que tinha de mais essencial para socorrer tantos e tantos, inclusive desconhecidos seus, ou quem sabe até pessoas que não tiveram a mesma generosidade corajosa dele. Ele confia em Jesus e é instrumento da Sua providência divina. Aprendamos dele, que foi à radicalidade, de maneira tal que os outros evangelistas, na sua atitude, entreviram a ordem de Jesus: “Dai-lhes vós mesmos de comer. (Mc 6,37; Lc 9,13; Mt 14,16). Na vida da Igreja e dos pobres por ela assistidos, sejamos este nobre e caritativo menino, ao tempo em que aprendamos da sua discrição, porque, como nos disse São Paulo: “A caridade é paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é orgulhosa. Não é arrogante. Nem escandalosa. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade” (1Cor 13,4-6).
Vivamos a caridade, confiando sempre na bondade e na palavra do Senhor, reconhecendo em nossos gestos a ação misericordiosa de Deus em favor da salvação integral dos homens.
Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru).