Prosseguindo sobre o tema do artigo publicado na semana passada, o povo de Aracaju teve, entre outras coisas, no campo das construções, a sensação de que Frei Miguel fosse um verdadeiro herói. O santuário São Judas Tadeu tinha um projeto arrojado e exigente e, na lógica, devia ter sido entregue a uma construtora, competente e mais aparelhada, mas, em vez disso foi um frade ancião, sem título acadêmico, sem dinheiro e somente com oito operários, para concluir em cerca de cinco anos uma obra perfeita. Subsolo, cúpula, cobertura, colunas, paredes e outras partes da obra, tudo muito desafiador.
Terminada a Igreja de São Judas Tadeu, não parou aí a atividade construtora de Frei Miguel. Passou a uma segunda etapa: a construção de dez igrejas nas comunidades da Paróquia de São Judas, das quais pelo menos sete se tornaram matrizes de novas paróquias. Isso sem contar os conventos, casas de formação, centro médico e escola.
Nunca deverá ser esquecida a sua luta e de seus irmãos para que fosse arrancada do bairro América a fábrica de cimento, cuja poluição causava grandes malefícios à saúde das pessoas. Luta árdua, mas, enfim, vitoriosa.
Nos outros âmbitos, o Servo de Deus, Frei Miguel, se destacou sobremaneira. No curso de seus anos em Aracaju, fez cerca de 70 mil batizados. Na cidade de Aracaju, não existe rua ou praça em que Frei Miguel não tenha passado. Como também não existe hospital, escola, repartição pública, casa comercial e um sem número de residências, fossem casas ou apartamentos. Mesmo em idade avançada, caminhava sempre a pé. Em todas estas circunstâncias ele não dispensava seu discurso improvisado, não perdendo nenhuma oportunidade para evangelizar e semear a palavra de Deus.
Em Aracaju e em Sergipe grande era a sua fama de confessor, que alcançou o seu auge, pois sempre acolhia com bondade e escutava com toda atenção. Na Bahia, também atuou nesse campo. É difícil encontrar aqui em Aracaju, um católico que não tenha se confessado com Frei Miguel. Diversos profissionais da psicologia e psicoterapia enviavam a ele muitos de seus clientes. Pobres, ricos, empresários, políticos, profissionais liberais dos mais diversos campos da sociedade civil, aconselhavam-se com Frei Miguel.
Com referência à homilia que proferi no dia 26 de novembro último, quando da abertura do processo para a beatificação e consequente canonização do frei Miguel, podemos compreender melhor algumas figuras simbólicas do livro do Apocalipse (Ap 14,14-19). Vemos os anjos como se fossem agricultores, felizes e orgulhosos, depois de anos de fadiga e de duros investimentos, recolhendo as uvas e os frutos crescidos na plantação, vencidos os ataques dos animais, as intempéries do tempo, os furtos e as outras dificuldades típicas da plantação.
Aqueles frutos são os homens e mulheres criados à imagem e semelhança de Deus e que viveram exatamente de acordo com a vontade do Criador. “Lança a foice e colhe os cachos da videira da terra, porque as uvas já estão maduras” (Ap 14,18). O vinho, irmãos e irmãs, é vida cheia de amor que alegra os corações. Aracaju, várias cidades do estado de Sergipe e várias regiões da Bahia, foram inebriadas pelo bom vinho da vida e do ministério de Frei Miguel. O lagar de Deus, diz o Apocalipse, tem uma grande extensão.
No Evangelho, Jesus diz: “Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído” (Lc 21,5-6). O século presente é condicionado pelo pecado, por isso, destinado a desaparecer (Ortensio da Spinetoli, p. 637). Ninguém mais do que o Servo de Deus, Frei Miguel, estava seguro da fragilidade das coisas deste mundo. O dinheiro, o poder e as riquezas são nada diante do reino de Deus que está próximo.
No dia do juízo, as estrelas escurecerão não porque diminuirão o brilho de sua luz, mas porque se aproximará e resplandecerá o clarão da verdadeira Luz, o sumo juiz, que virá na sua majestade e no poder de seu Pai e com os seus anjos (São Beda, o venerável citado em Santino Corsi, p. 195).
Santo Agostinho “diz que ao invés de pensarmos ao último dia do mundo, pensemos no nosso último dia. Ninguém procure conhecer quando chegará o último dia, mas viva bem se preparando para o seu último dia” (Sussidio bíblico patrístico per la liturgia domenicale, Don Santino Cordi, p. 195).
Os santos mais do que ninguém para este último dia se prepararam com perfeição e intercedem por nós, hoje e sempre. O frei Miguel vive em nossas lembranças e em nossos corações. A ele, nós muito devemos.
Dom Josafá Menezes da Silva, Arcebispo Metropolitano de Aracaju.